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Recordações

A minha exploração do Muro de Berlim teve continuidade com a visita à East Side Gallery em mais um dia azul, apesar das nuvens aqui e ali.

A chamada “maior galeria a céu aberto do mundo” é atualmente o mais longo pedaço do histórico Muro que continua em pé, com 1,3 km de extensão. O lado Oeste dele foi pintado/grafitado/colorido por artistas de todos os cantos do planeta com o objetivo de criar um memorial da liberdade.

O passeio começou com a minha primeira “viagem” de S-Bahn — na verdade fui apenas de uma estação (Warschauer Straβe) para a seguinte, mas mesmo assim já é novidade. Cheguei à Ostbahnhof, ou rodoviária do Leste, e me senti uma caipira, maravilhada com o tamanho dela. Ok, não é assim incrível, nada mais que o Tietê ou a Barra Funda, mas eu esperava uma estaçãozinha como as outras e descobri um terminal bem grande, com lojas, restaurantes, bancos, farmácias e essas coisas. Fiquei passeando um pouco. Já eram umas 11 horas mas, como não tinha comido nada de manhã, resolvi gastar mais um tempo ali e tomar um café da manhã caprichado — o que foi ótimo, porque demorei bastante para completar o trajeto do Muro.

Depois que saí da Ostbahnhof, fui seguindo as placas até a Mühlenstraβe (onde fica a East Side Gallery) e reparando nos prédios ao redor, como estes aí em cima. Em algumas regiões dá para perceber claramente as características das construções do lado Oeste (mais “diferentes”, “ricas”, sofisticadas) e do Leste (mais quadradonas, simples, quase sempre iguais ou bem parecidas).

Confesso que esperava mais. Não sei o porquê, mas tinha a expectativa de ser um negócio MUITO bonito e especial e acabei um pouco decepcionada. Sim, sem dúvida é bonito e especial, afinal é O Muro de Berlim e tem algumas obras que são bastante conhecidas — e por mais que você não queira, surge um orgulhozinho do tipo “eu vi de perto”. Mas fiquei com a sensação de quero mais, não sei explicar.

Tem uns pedaços muito mal conservados e alguns desenhos que para mim não representam muita coisa — é claro que o problema pode ser a minha desinformação sobre a importância deles. Além disso, turista é uma raça desgraçada que, em vez de preservar o que visita, prefere destruir as coisas para “registrar a presença” ali. E isso é uma coisa que me revolta.

Outro ponto negativo é que eu esperava ver o trecho que Keith Haring pintou, mas não achei (Alguém sabe se ainda está lá? E, se sim, onde fica?). Sem contar que, pra mim, não importa muito se está colorido ou não: aquele, ainda assim, é o mesmo Muro que dividiu famílias, aprisionou muitas pessoas e fez tantas outras morrerem. Ou seja, continua sendo um dos capítulos sombrios da história da humanidade.

De qualquer forma, foi um passeio gostoso. Uma tarde ensolarada e agradável que acabou às margens do igualmente famoso rio Spree (pelo qual eu acabei navegando depois, mas isso fica para um próximo post!). 🙂

Ah, e como não poderia deixar de ser, lá também tem uma praia artificial, dessa vez com o Spree fazendo as vezes de mar.

Ouvi dizer por aqui que Berlim tem mais de 170 museus, o que significa que, para conhecer todos eles, seriam necessários quase seis meses visitando um por dia. Como demorei praticamente um mês para ir ao primeiro, já me conformei que não vou conseguir completar essa missão tão facilmente.

O involuntariamente escolhido foi Jüdisches Museum, ou Museu Judaico. Digo isso porque a escola programou uma excursão para os alunos na quinta-feira passada e eu aproveitei para ir junto. E, apesar do tema ser bastante denso e complexo, comecei a exploração com o pé direito: toda a experiência da visita é realmente in-crí-vel, começando pelo próprio museu.

Ele foi fundado em 1933, na Oranienburger Straße, mas cinco anos depois foi fechado pelo regime nazista. Apenas em 2001, o acervo foi transferido para a Lindenstraße, onde continua até hoje, em um prédio projetado por Daniel Libeskind especialmente para esse propósito.

O premiado arquiteto é judeu e polonês, filho de sobreviventes do Holocausto. E talvez por ter uma ligação tão íntima com o tema, conseguiu imprimir na construção um simbolismo impressionante, capaz de transportar os visitantes para dentro da história e provocar as mais diversas sensações. Partindo da desconstrução das linhas da Estrela de Davi, distribuiu janelas minimalistas que laceram todos os lados. À primeira vista, lembra uma fortaleza. E lá dentro estão protegidas grandes surpresas para o público.

Seguindo esse modelo, Libeskind desenhou ambientes completamente irregulares e essa estrutura sinuosa acaba aguçando os sentidos e aumentando a nossa percepção. Como não é possível prever o que vem pela frente, ficamos mais atentos aos sinais (ou à falta deles) pelo caminho. Acredito que a sua intenção foi proporcionar uma pequena amostra do que os judeus sentiam quando eram capturados e levados aos campos de concentração.

As paredes não possuem ângulos retos e as pequenas aberturas permitem a entrada de luz natural, iluminando as salas de forma desigual. O piso é levemente inclinado, o que contribui para dificultar o equilíbrio e provocar uma certa desorientação espacial já a partir do primeiro passo.

À medida em que você explora as três partes que compõem a mostra (chamadas de Eixo do Holocausto, Eixo do Exílio e Eixo da Continuidade), mergulha mais fundo na história, na cultura e na realidade desse povo tão sofrido.

Para finalizar a primeira delas, está a Torre do Holocausto: uma sala fechada, com pé direito altíssimo e apenas uma pequena abertura lá em cima, que projeta um raio de luz no meio da escuridão e nos permite ouvir, ao longe, os barulhos da rua. Na minha interpretação, é um retrato do mundo em que os judeus viviam: fechado, escondido e separado do mundo lá fora. A sensação é de solidão e privação.

Já no Eixo do Exílio, o destaque é o Jardim dos Exilados. Como o nome sugere, é uma área aberta, com altas colunas quadradas que possuem oliveiras plantadas no topo. Assim como o restante do prédio, as colunas são inclinadas e o chão é irregular. Se você olha para baixo, consegue se orientar melhor mas não vê nada além da base das colunas e das pedras no chão.

Se olhar para cima, pode admirar o céu e as plantas, mas não consegue caminhar muito bem. Isso me remeteu ao que sinto aqui: um mundo novo, com muitas coisas para serem observadas, mas é preciso prestar atenção por onde vou pois não sei me orientar muito bem pelos caminhos. Se não é fácil para mim, que escolhi esse meu “exílio”, há muito mais dificuldade quando em vez de escolha é uma imposição.

Subindo as escadas, também tortinhas, você chega no Eixo da Continuidade, que é o mais atual e também o mais interativo. Nesta parte, o visitante é convidado, diversas vezes, a refletir sobre a condição dos judeus ontem e hoje e pode deixar sua contribuição com sugestões e mensagens para que a igualdade, entre todos povos, seja um dia alcançada. A Árvore de Romã ou Granatapfelbaum é um exemplo, e você pode deixar pendurado nela um desejo para a humanidade.

Em dois andares, o acervo conta como era a vida prática dos judeus e mostra como surgiram as tradições. Uma parte muito interessante é a que apresenta o significado das comidas e costumes praticados nas datas festivas. Ali você também pode, por exemplo, descobrir como seu nome é escrito em Hebraico, experimentar joguinhos eletrônicos e atividades relacionadas às informações importantes e também tirar fotos engraçadas — com o tradicional bigode ou com um kipá.

Mas antes de chegar à parte divertida, somos levados, lá em cima, a uma área forrada por pequenas placas redondas e iluminada por um vão no teto. E esse, para mim, foi o momento mais impressionante de toda a visita.

À medida em que a gente caminha sobre as peças de ferro, que na verdade são rostos (diferentes uns dos outros, feitos um a um), o atrito entre elas faz um barulho incômodo, que me remeteu a gritos das pessoas sendo pisadas, e que ecoa pelo ambiente. É a instalação “Schalechet” (Gefallenes Laub ou, em Português, Folhas Caídas), dedicada a todas as vítimas da guerra, do artista israelense Menashe Kadishman.

Bom, acho que deu para perceber que todo o percurso é bastante incômodo. Não sei dizer se pelos fragmentos de passagens que são contadas ali, pelas sensações provocadas pela estrutura dos ambientes, ou se por tudo isso junto. Mas, apesar de caótica, por outro lado, a visita é uma riquíssima aula sensorial em que podemos não apenas observar, mas também ouvir, sentir e até mesmo presenciar a História dos judeus.

Passar quatro horas ali dentro me deixou exausta, esgotada. Saí com milhares de pensamentos, sentimentos e sensações misturados e com tontura, uma certa indisposição física. Entretanto, este é o melhor museu que já conheci e esta foi uma das experiências mais fantásticas que já tive e com certeza recomendo para todos que tiverem a oportunidade. Posso dizer que comecei muito bem a minha aventura pelos museus berlinenses!

Notas:

1. Com exceção da última e da árvore, as fotos foram retiradas do site oficial do museu: www.jmberlin.de. Fiquei tão inebriada com tudo que acabei não fotografando quase nada.

2. Durante a visita, leve com você uma moedinha de 0,05€.

A primeira referencia a Berlim de que me lembro eh do muro, provavelmente em uma aula de Historia no primario. Nunca tive muita paciencia para os feitos da Igreja Catolica, para as disputas entre Gregos e Troianos e muito menos para as Grandes Navegacoes. Entao a historia da Alemanha e tudo o que a envolvia, com (e apesar de) todas as suas crueldades, me deixavam mais curiosa. Isso ficou um pouco adormecido em mim desde que o meu grupo na faculdade fez uma pesquisa sobre Joseph Mengele e o Nazismo, mas acabou ressurgindo agora com a vinda a Berlim. E o Muro foi o primeiro “ponto turistico” que resolvi visitar. O sabado amanheceu, como de costume, azul e ensolarado e la fui eu com meu mapa debaixo do braco. Depois de algumas idas e vindas no metro (obvio!), consegui cheguar a estacao Kochstraße!. Logo que sai dela, dei de cara com o museu Haus am Checkpoint Charlie, que guarda a historia do famoso Muro de Berlim. A sensacao, ao chegar ali, foi um misto de tristeza e alegria. Estava feliz por ter a oportunidade de estar em um lugar tao importante, mas eh impossivel nao sentir o peso do sofrimento que a divisao causou pra tanta gente. Confesso que por alguns momentos fiquei ali observando aquela imagem que tinha visto em tantos livros e chorando quietinha. Alias, pra mim aquele eh um dos lugares mais tristes do mundo. Enquanto estive lah, lembrei muito da senhorinha que sentou ao meu lado no aviao e nas historias que ela me contou. Vi tambem algumas frases no muro que me fizeram imaginar quantas vidas foram mudadas pra sempre. Se com isso ja fiquei meio pensativa, preferi evitar ver a mostra ao ar livre que eles chamam de “Topografia do Terror” e nao consegui sorrir na foto ao lado do que sobrou daquela epoca. Mas de repente eu viro a esquina e encontro uma das coisas mais bizarras que ja vi na vida: uma “praia” onde um dia houve o Muro. Isso mesmo, um monte de areia com algumas barraquinhas e tendas, em que as pessoas ficam refesteladas, tomando uma cerveja e comendo um currywurst. Pra mim parece um tanto inadequado, mas esse pedaco de “paraiso” artificial acaba suavizando o clima pesado do lugar. Hesitei em trazer um pedacinho do Muro comigo, mas achei que nao seria um souvenir muito positivo a ser guardado. Prefiro ficar com a lembranca de ter visitado um lugar que nunca imaginei conhecer pessoalmente.

de certa forma, sempre soube que eu era diferente das minhas amiguinhas na escola. meus interesses iam além dos meninos e dos colírios da Capricho: queria mais.

à medida em que fui crescendo entendi que havia uma infinidade de possibilidades além daquele mundinho ao qual estavam todos acostumados. condicionados, talvez — eu incluída. dentro de mim havia uma sede por coisas diferentes, novidades, descobertas. minhas expectativas não eram satisfeitas com aquilo que estava ao meu alcance: eu precisava de mais.

muita gente ouvia espantada quando contava sobre essas minhas fantasias. “você, jura?” muitos me desencorajaram dizendo que era coisa de adolescente, rebeldia tardia ou simplesmente vontade de chocar os outros. mas a curiosidade e o desejo de ter novas vivências não passou com o tempo.

um dia a oportunidade apareceu. comecei a trabalhar em São Paulo, de repente me vi sozinha nesta cidade imensa e acabei experimentando algo diferente. quando a conheci, confesso — menina crescida em cidade relativamente pequena — hesitei. aquela exuberância toda me assustava, mas ao mesmo tempo me enfeitiçou.

no começo, tímida, não sabia direito como me comportar, o que dizer, como me aproximar. tinha medo daquele mundo desconhecido, sim, e me sentia insegura. um pouco estranha. “o que pensariam de mim?” mas era excitante, apaixonante: como resistir? ela, tão misteriosa e cheia de personalidade, e eu, ansiosa para desfrutar de cada experiência que ela poderia me proporcionar.

ela tinha tudo o que eu sempre quis, foi impossível não me render aos seus encantos. com o tempo, fui conhecendo-a melhor e me soltando: mais ou menos nesse estágio nossa relação se intensificou. eu podia até ser um pouco diferente dos outros, mas me sentia muito bem quando estava por perto dela. super à vontade para fazer o que quer que fosse sem medo de julgamentos ou preconceitos. segura. de certa forma, finalmente me encontrei.

por causa dela, vivi inúmeros momentos felizes, conheci gente muito interessante, novas formas de me expressar e até de encarar a vida. e nos dias difíceis, quando eu mais precisei, ela esteve sempre lá, pronta pra me alegrar: nunca me deixou na mão. foi assim que o apego virou intimidade e o carinho se transformou em amor.

sei que não sou sua dona nem posso proibir que outras pessoas a conheçam e também gostem dela. só eu sei como é impossível não se sentir atraído por tudo o que ela é e tem a oferecer. o problema é que, nos últimos tempos, ela tem chamado a atenção de todo mundo. quase morro de ciúmes cada vez que parece que alguém a conhece melhor do que eu ou quando me contam alguma novidade que não fui a primeira a saber. me sinto traída, na verdade. e juro que, se pudesse, obrigaria certos tipos a manterem distância dela.

não imaginava um dia sentir algo assim, tão genuíno e intenso. vai ser difícil ficar longe, mas é por isso que digo que ainda volto pra você. eu te amo, Augusta — a rua que é muito mais que uma rua pra mim.

a rua Augusta, que infelizmente não é uma pessoa e nem sobrenome tem pois, do latim, significa “majestosa” ou “venerável”. exatamente como a levo dentro do peito.

minha amiga, MINHA Augusta. ❤️