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Tag Archives: Museu do Judaísmo

Ouvi dizer por aqui que Berlim tem mais de 170 museus, o que significa que, para conhecer todos eles, seriam necessários quase seis meses visitando um por dia. Como demorei praticamente um mês para ir ao primeiro, já me conformei que não vou conseguir completar essa missão tão facilmente.

O involuntariamente escolhido foi Jüdisches Museum, ou Museu Judaico. Digo isso porque a escola programou uma excursão para os alunos na quinta-feira passada e eu aproveitei para ir junto. E, apesar do tema ser bastante denso e complexo, comecei a exploração com o pé direito: toda a experiência da visita é realmente in-crí-vel, começando pelo próprio museu.

Ele foi fundado em 1933, na Oranienburger Straße, mas cinco anos depois foi fechado pelo regime nazista. Apenas em 2001, o acervo foi transferido para a Lindenstraße, onde continua até hoje, em um prédio projetado por Daniel Libeskind especialmente para esse propósito.

O premiado arquiteto é judeu e polonês, filho de sobreviventes do Holocausto. E talvez por ter uma ligação tão íntima com o tema, conseguiu imprimir na construção um simbolismo impressionante, capaz de transportar os visitantes para dentro da história e provocar as mais diversas sensações. Partindo da desconstrução das linhas da Estrela de Davi, distribuiu janelas minimalistas que laceram todos os lados. À primeira vista, lembra uma fortaleza. E lá dentro estão protegidas grandes surpresas para o público.

Seguindo esse modelo, Libeskind desenhou ambientes completamente irregulares e essa estrutura sinuosa acaba aguçando os sentidos e aumentando a nossa percepção. Como não é possível prever o que vem pela frente, ficamos mais atentos aos sinais (ou à falta deles) pelo caminho. Acredito que a sua intenção foi proporcionar uma pequena amostra do que os judeus sentiam quando eram capturados e levados aos campos de concentração.

As paredes não possuem ângulos retos e as pequenas aberturas permitem a entrada de luz natural, iluminando as salas de forma desigual. O piso é levemente inclinado, o que contribui para dificultar o equilíbrio e provocar uma certa desorientação espacial já a partir do primeiro passo.

À medida em que você explora as três partes que compõem a mostra (chamadas de Eixo do Holocausto, Eixo do Exílio e Eixo da Continuidade), mergulha mais fundo na história, na cultura e na realidade desse povo tão sofrido.

Para finalizar a primeira delas, está a Torre do Holocausto: uma sala fechada, com pé direito altíssimo e apenas uma pequena abertura lá em cima, que projeta um raio de luz no meio da escuridão e nos permite ouvir, ao longe, os barulhos da rua. Na minha interpretação, é um retrato do mundo em que os judeus viviam: fechado, escondido e separado do mundo lá fora. A sensação é de solidão e privação.

Já no Eixo do Exílio, o destaque é o Jardim dos Exilados. Como o nome sugere, é uma área aberta, com altas colunas quadradas que possuem oliveiras plantadas no topo. Assim como o restante do prédio, as colunas são inclinadas e o chão é irregular. Se você olha para baixo, consegue se orientar melhor mas não vê nada além da base das colunas e das pedras no chão.

Se olhar para cima, pode admirar o céu e as plantas, mas não consegue caminhar muito bem. Isso me remeteu ao que sinto aqui: um mundo novo, com muitas coisas para serem observadas, mas é preciso prestar atenção por onde vou pois não sei me orientar muito bem pelos caminhos. Se não é fácil para mim, que escolhi esse meu “exílio”, há muito mais dificuldade quando em vez de escolha é uma imposição.

Subindo as escadas, também tortinhas, você chega no Eixo da Continuidade, que é o mais atual e também o mais interativo. Nesta parte, o visitante é convidado, diversas vezes, a refletir sobre a condição dos judeus ontem e hoje e pode deixar sua contribuição com sugestões e mensagens para que a igualdade, entre todos povos, seja um dia alcançada. A Árvore de Romã ou Granatapfelbaum é um exemplo, e você pode deixar pendurado nela um desejo para a humanidade.

Em dois andares, o acervo conta como era a vida prática dos judeus e mostra como surgiram as tradições. Uma parte muito interessante é a que apresenta o significado das comidas e costumes praticados nas datas festivas. Ali você também pode, por exemplo, descobrir como seu nome é escrito em Hebraico, experimentar joguinhos eletrônicos e atividades relacionadas às informações importantes e também tirar fotos engraçadas — com o tradicional bigode ou com um kipá.

Mas antes de chegar à parte divertida, somos levados, lá em cima, a uma área forrada por pequenas placas redondas e iluminada por um vão no teto. E esse, para mim, foi o momento mais impressionante de toda a visita.

À medida em que a gente caminha sobre as peças de ferro, que na verdade são rostos (diferentes uns dos outros, feitos um a um), o atrito entre elas faz um barulho incômodo, que me remeteu a gritos das pessoas sendo pisadas, e que ecoa pelo ambiente. É a instalação “Schalechet” (Gefallenes Laub ou, em Português, Folhas Caídas), dedicada a todas as vítimas da guerra, do artista israelense Menashe Kadishman.

Bom, acho que deu para perceber que todo o percurso é bastante incômodo. Não sei dizer se pelos fragmentos de passagens que são contadas ali, pelas sensações provocadas pela estrutura dos ambientes, ou se por tudo isso junto. Mas, apesar de caótica, por outro lado, a visita é uma riquíssima aula sensorial em que podemos não apenas observar, mas também ouvir, sentir e até mesmo presenciar a História dos judeus.

Passar quatro horas ali dentro me deixou exausta, esgotada. Saí com milhares de pensamentos, sentimentos e sensações misturados e com tontura, uma certa indisposição física. Entretanto, este é o melhor museu que já conheci e esta foi uma das experiências mais fantásticas que já tive e com certeza recomendo para todos que tiverem a oportunidade. Posso dizer que comecei muito bem a minha aventura pelos museus berlinenses!

Notas:

1. Com exceção da última e da árvore, as fotos foram retiradas do site oficial do museu: www.jmberlin.de. Fiquei tão inebriada com tudo que acabei não fotografando quase nada.

2. Durante a visita, leve com você uma moedinha de 0,05€.